terça-feira, 25 de outubro de 2011

Exibição e debate nessa quinta (27/10)

Nessa quinta, dia 27, às 19h acontece exibição do documentário e debate com o diretor Cristiano Bastos no Cineclube IESB, em Brasília. Confira mais informações no flyer:

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Em busca do Paêbirú



O artista plástico e arqueólogo paraibano Raul Córdula (homem que, nos anos 1970, apresentou a Pedra do Ingá a Lula Côrtes e Zé Ramalho), escreveu esse texto em prosa poética que se encontra no encarte original do long-play de Paêbirú. Neste encarte, que torna o disco mais valioso ainda, também tem relatos da expedição feita por essa turma à localidade de Ingá do Bacamarte. Os relatos são assinados por Côrtes. Leia-os aqui em breve. Em 4 episódios

[Clique na imagem para ver em tamanho maior]
Fonte

sábado, 8 de outubro de 2011

No Cine São Luiz

Confira reportagem publicada nessa sábado 07/10 no Diário de Pernambuco.

Filme sobre disco Paêbirú, de Zé Ramalho e Lula Côrtes, é projetado neste domingo no Cine São Luiz
 
Júlio Jacobina/DP/D.A.Press

Zé Ramalho faz sucesso em todo o Brasil e sempre canta músicas como Avohai, Frevo mulher, Admirável gado novo e Chão de giz, que ajudaram a fazer o nome do cantor paraibano a partir do final dos anos 1970. O que muitos de seus fãs não sabem é que, anos antes, Zé já estava na ativa e tinha até gravado disco, o mítico Paêbirú, parceria com Lula Cortês.

O álbum virou tema de documentário. Zé não quis participar (Paêbirú é um assunto que ele evita), mas aprovou sua produção. Lula Côrtes morreu sem assistir Nas paredes da pedra encantada, longa-metragem que investiga esse que é um dos mais raros discos brasileiros. O LP duplo Paêbirú — Caminho da montanha do sol (1975) é o primeiro disco a levar na capa o nome do compositor de Avohai. Músico, poeta e artista plástico pernambucano, Luiz Augusto Martins Côrtes morreu em 26 de março, aos 61 anos, em decorrência de um câncer na garganta. O filme ganhou sua primeira exibição pública em 30 de abril, em São Paulo, dentro da programação do In-Edit Brasil — 3º festival internacional do documentário musical.  

O filme será projetado pela primeira vez em Pernambuco neste domingo, às 20h30, no Cine São Luiz, como parte da programação da mostra Play The Movie, do Festival Coquetel Molotov.

Dirigido por Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim, o documentário, além de abordar a feitura do disco — conversando com vários dos envolvidos, como o cantor Alceu Valença, o cartunista Lailson de Holanda, o artista plástico Raul Córdula e a cineasta Katia Mesel — tem na figura de Lula seu fio condutor. E não teria como ser diferente. Com um carisma magnético, ele rouba a cena.

Rodado nas cidades pernambucanas de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Recife, e nas paraibanas João Pessoa e Ingá do Bacamarte, Nas paredes da pedra encantada é um road movie que captura muito do espirito da época em que o disco foi feito, em plena efervescência do udigrudi pernambucano. Produzido com dinheiro do próprio bolso dos diretores (orçado em aproximados R$ 30 mil), o filme acompanha Lula de volta até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico onde se encontram as misteriosas inscrições rupestres que inspiraram as letras do álbum — que apresenta em suas músicas uma rica combinação de ritmos nordestinos e rock psicodélico.

As premissas dos diretores resultaram em vários planos sequência, longos e detalhados depoimentos, que passeiam por temas como ecologia, arqueologia, contracultura, música e lisergia, permitindo ao espectador entrar na história sem pressa. “Queríamos que o filme respirasse, fugisse de edições frenéticas, de ritmo videoclíptico. E que tudo nele fosse novo, sem imagens de arquivo — até porque elas não existem —, mostrando o que a gente viu”, conta o jornalista gaúcho radicado em Brasília Cristiano Bastos. “A ideia não era apenas entrevistar, mas olhar as pessoas. Como o Pennebaker em Don’t look back, filmando detalhes dos personagens, um filme observador”, emenda o carioca Leonardo Bomfim, mestrando em comunicação morando em Porto Alegre, em referência ao documentário do diretor americano que captura Bob Dylan em 1965.

Registro vívido
Em alguns momentos, a limitação financeira da produção surge na tela, mas isso não interfere em seu encanto justamente pela riqueza das imagens e das falas dos personagens. Há depoimentos divertidíssimos, como Lula contando como pediu Katia (sua mulher na época) em casamento ou o avistamento de elefantes em pleno sertão paraibano. Em Ingá do Bacamarte, onde se localiza a pedra, os moradores dão versões ingênuas e hilárias para a origem das inscrições. Além da natureza, a música exerce grande força no documentário. O próprio Paêbirú serve de trilhas sonora, mas foram feitas cenas musicais exclusivas.

Em uma delas, Lula e seu tricórdio (espécie de cítara popular marroquina, instrumento que ele dominava e está por todos os quatro lados do LP) acompanham, em espontânea sintonia, Alceu Valença em uma música inédita do compositor de Tropicana e Coração bobo. Em um dos depoimentos, Lula fala sobre o futuro, a vontade de construir uma nova casa no terreno que ganhara de um amigo. O músico se foi, mas permaneceu seu legado. E com Nas paredes da pedra encantada, permanece também um registro vívido desse incrível personagem da música brasileira.

Programação da Mostra Play the Movie:
SÁBADO – 08/10
17h – Sessão de fil­mes sele­ci­o­na­dos por Marcelo Gomes: “Cinema, Aspirinas e Urubus”
19h — Filme: “Gretchen Filme Estrada“
21h — Filme: “Explosão Brega”

DOMINGO — 09/10
17h — Sessão de fil­mes sele­ci­o­na­dos por Marcelo Gomes: “A Alma do Osso”
18h30 – Filme: “Daquele Instante em Diante“
20h30 – Filme: “Nas Paredes da Pedra Encantada”

Com informações de Pedro Brandt, do Correio Braziliense

Fonte: diariodepernambuco.com.br/nota.asp?materia=20111007132014

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Exibição única no Recife

Confirmado: Nas Paredes da Pedra Encantada vai para o Recife! O doc encerra a Mostra Play The Movie, que precede a edição 2011 do festival No Ar Coquetel Molotov.

O filme terá exibição única no dia 9 de outubro, às 17h, no Cinema São Luiz (Rua da Aurora, 175, Boa Vista). O diretor do filme Cristiano Bastos estará presente para contar sobre a aventura que foi realizá-lo.

Confira a programação completa do festival, cujo line-up está matador, com shows e oficinas aqui.

Lula Côrtes e Alceu Valença por Flora Pimentel

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Entrevista com Alceu Valença

Nas Paredes da Pedra Encantada está voltando ao nordeste. Depois de ser exibido em Salvador pelo Festival In-Edit, o documentário está chegando em Recife.

Em homenagem a esse reencontro, postamos entrevista de Alceu Valença concedida a Cristiano Bastos e publicada em 2008 na revista Brasileiros. Confira:

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BOM DE PROSA
por Cristiano Bastos
Alceu Valença fala sobre rock, movimento mangue beat, mercado musical e resgate da cultura regional


O casarão do músico pernambucano Alceu Valença é um dos pontos turísticos da histórica Olinda. Do andar de cima se avista o verdejante mar que rodeia o Brasil antigo.Não é possível mirar o oceano sem pensar na história do país. Por instantes, paro e a imagino tudo o que de melhor (e pior), em mais de 500 anos, desembarcou por essas divisas marítimas. É difícil descrever a sensação.Disputas, comércio de especiarias, tráfico de escravos – e o traço holandês, cuja herança cultural afeiçoa-se a rostos, à arquitetura de prédios históricos e aos mínimos detalhes da colorida complexidade de Pernambuco.

Brincalhão e sagaz, Valença é um prosador nato e o principal animador do carnaval da cidade. Todos os anos, diretamente de sua sacada, ele esquenta os foliões tocando frevos, toadas e contando animados causos de nordestinidade. À revista Brasileiros, ele falou de tudo um pouco: sua infância, as influências musicais, carreira, shows. Para quem pensa que mercado independente é coisa de artista moderno, Alceu foi um dos primeiros artistas a ter o comando da própria carreira – um feito e tanto ainda hoje no Brasil.

Não toco na rádio, não pago jabá e não estou em nenhuma grande gravadora. Perguntam-me sempre: 'Por onde andavas, tão desaparecido?' Eu falo: 'Por aí, velinho, dando show para trinta mil pessoas em algum lugar desse país'", diverte-se. "Entendeu, velho?", diz seu bordão predileto. E assim iniciamos a conversa.

Zé Ramalho, Alceu Valença e Lula Côrtes: o "Trio de Catende". O clipe de "Vou Danado pra Catende" é a única filmagem do grupo existente. Gravado no Festival Abertura, da Rede Globo (1975), cujo nome fora sugestão do general Figueiredo à abertura política. Nele também se apresentaram Jards Macalé e Walter Franco.

Onde começa sua história?
Alceu Valença: Na Fazenda Riachão, em São Bento do Riachão, uma cidade entre o agreste e o sertão pernambucano. Foi nesse lugar que ouvi os primeiro sons de minha vida: a voz melancólica dos cantos dos vaqueiros boiadores. Escutando o cantado dos vaqueiros, a voz dos cegos de feira. Vivi um nordeste totalmente diferente ao de hoje. Aliás, um mundo completamente diferente. Houve uma revolução tecnológica. Participei de duas: saí do canto medieval e vim bater na internet.

Canto medieval?
Alceu: Os aboios são medievais, o modo como os violeiros e os cegos de feira tocam. São menestréis, então, é uma tradição ibérica que veio bater no Brasil, evidentemente na época do descobrimento. Convivi muito com isso, meu avô manejava uma viola que só. Também fazia versos de improviso, além de tocar e ler música. Nessa cidade, São Bento do Una, eu também ouvia as vozes e sons da feira, mas já estão se extinguindo.

Como você tornou-se artista?
Alceu: Minha família toda é muito musical, apenas meu pai e minha mãe não são. Como papai e mamãe não faziam música, eu também não podia. Ficava ali sem poder cantar, só ouvindo. Não poder tocar e cantar foi um complexo terrível que carreguei até os 13 anos. E eu queria tocar violão porque havia uma febre na minha rua. O velho achava que música era algo estigmatizado, coisa de cachaceiro... (pára para pousar para a foto).

Como fazia para ouvir música?
Alceu: Em minha casa não tinha toca-discos. Até que um dia, depois de tanta reclamação, compraram uma radiola. Papai comprou, mas não liberava grana para comprar os discos. A mesada era muito pequena. Era minha irmã que comprava os discos, mas eles não faziam minha cabeça. Ela tinha discos de Cauby Peixoto, Roberto Carlos, que era uma coisa que eu gostava, mas muito distante. Tinha um disco do Peri Ribeiro de bossa nova que eu gostava! Mamãe terminou comprando um violão para mim, só que não me deram professor. Aprendi sozinho. Mas, até hoje, não toco muito bem.

Quais foram suas principais influências?
Alceu: Luiz Gonzaga e aqueles que o influenciaram. Gonzaga é filho musical dos mesmos violeiros de minha infância. Ele fez a síntese dessa cultura – digamos que ele seria os Beatles. Ouço tanto Luiz Gonzaga quanto os músicos anônimos que o influenciaram. É diferente do cara que, hoje, pega o disco do Gonzaga sem ouvir o que esteve atrás.

E a influência da cultura brasileira, do folclore, entre os músicos?
Alceu: O folclore já morreu. Quando se fala em folclore existe um senso pejorativo a respeito. Penso no folclore como o arcabouço cultural que um povo construiu. No Brasil, deixaram o folclore de lado (imita contorcendo o rosto de modo blasé), viraram a cara. Mas se metem no blues, por exemplo, que particularmente, acho maravilhoso. Não se dão conta que o blues, na verdade, nada mais é que do que folclore. Vem da raiz folk. Só que é folclore norte-americano. Existe no Brasil uma total falta da curadoria. Ninguém sabe mais "o que é o que não é".

O que falta no Brasil?
Alceu: Nós vivemos carentes de novidades, de oportunidades para conhecer coisas mais genuínas. Dentro da classe intelectual há uma vontade de mudança, mas pouco muda. Em 1988, eu estava preocupadíssimo, não suportava mais o meu próprio sucesso. Queria que aparecesse alguma coisa, e apareceu, não foi? Chico Science, com o mangue beat. E fui vítima desse “novo” que surgiu. Não por parte do mangue beat, mas dos intelectuais que renegavam o passado recente da música pernambucana. Fui um artista que foi “destruído” com a vinda do mangue. E por quê? Achavam que duas vertentes, o novo e o velho, não davam para conviver dentro do mesmo cenário. Fiquei como careta da história. Mas o povão, não. O povo, me público, não me viu como “ultrapassado”. Neste momento eu já tinha rompido com tudo, já achava uma bosta a indústria de cultura. Disse a mim mesmo: "Vou exortar o que resta do meu público, e que já era algo enorme. Na época de rejeição, cheguei a 26 mil pagantes. Fui viajando pelo Brasil e acumulei um público que é absurdo. Sou uma das exceções do mercado.

Como você avalia o mercado musical atual?
Alceu: No nordeste, está acontecendo uma coisa que não é fenômeno musical - é um fenômeno mercadológico. Dinheiro, negócios. Como você faz para ganhar dinheiro e conservar seu valor artístico? Tenho um público maravilhoso, imenso. Sou um fenômeno, fenômeno que a mídia não viu – e estou literalmente cagando para a mídia, pode escrever. Mesmo assim, qualquer show que faço é entupido de gente. Eu convoco o povo, é uma loucura.

Fonte: http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/13/textos/146/

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Zé da Flauta

Continuando a série de entrevistas feitas por Cristiano Bastos em 2008, confira hoje uma conversa com Zé da Flauta (blog, myspace), um dos "personagens" de Paêbirú.

Em 1974, participou da gravação do LP gravado em quatro canais, na Rozemblit, pela dupla Zé Ramalho Lula Côrtes. Paêbirú ainda teve grandes participações de músicos como Geraldo Azevedo, Ivinho, Paulo Rafael e Dikê. É de Zé o sax da faixa "Nas Paredes da Pedra Encantada". E foi também sua primeira gravação profissional.

Iniciou sua carreira artística em 1970, na cidade de Recife, tocando com músicos como Don Tronxo (guitarrista da trovejante "Raga dos Raios", da parte Fogo), Agrício Noia, Robertinho do Recife, Marconi Notaro e Flaviola. O Zé nos conta um poucas de suas histórias daquele tempo – e de agora. No videoclip de "Vou Danado pra Catende", o Zé é o "cara da bata".



Zé, tudo bom?!
Zé da Flauta:
Tudo ótimo, como sempre!

Como era o ambiente das gravações e composição de Paêbirú, dá pra lembrar?
Zé da Flauta:
Eu estava com 18 anos quando decidi ser músico profissional. Foi quando também conheci Lula Côrtes e Kátia Mesel, por intermédio de uma prima que era amiga deles. Logo em seguida, conheci Lailson no Conservatório Pernambucano de Música, onde me iniciei nos estudos. Vivíamos na repressão militar, religiosa e familiar e, a casa de Beberibe, onde Lula e Kátia moravam, era o verdadeiro templo da liberdade e da contra-cultura. Um lugar onde aprendi muito sobre arte e liberdade de expressão. Lá se conversava e se fazia de tudo, inclusive se fumava muita maconha. Se falava muito sobre arte. Foi nesse ambiente que vi nascer Paêbirú e outros discos dos quais participei. Ninguém sabia o mínimo de teoria musical: tocavamos por pura intuição e rebeldia. Eu mesmo estudava flauta e resolvi comprar um sax que fora de Felinho, um grande saxofonista da década de 50 em Recife. Felinho foi o criador da improvisação no frevo. Me senti honrado por comprar tal instrumento. Mas, como não conhecia direito o saxofone, paguei por um objeto defeituoso que, na realidade, não servia nem como luneta. Era difícil tirar som naquele instrumento. Eu não tinha uma boquilha boa e não encontrava a palheta certa. O que me lembro claramente é que cheguei na casa de Lula com ele debaixo do braço e, duas horas depois, estava no estúdio da Rozemblit gravando com ele e Zé Ramalho. Nunca vou me esquecer disso, pois aquela foi a primeira vez que eu entrei num estúdio para gravar como músico.

Você toca com frequência na Europa. Já vieram lhe comentar sobre Paêbirú?
Zé da Flauta:
Sim! Uma vez em Berlim, 2006. O pessoal de uma rádio, com uma intérprete brasileira. Perguntaram sobre Paêbirú e também sobre o grupo de heavy metal Hanagorick, daqui do interior de Pernambuco. Esses caras fazem o maior sucesso por lá, são famosos. São de Surubim, a terra do Chacrinha.

Dá pra definir "udigrudi"?
Zé da Flauta:
É apenas uma terminologia. Naquele caso, nos anos 70, não caracterizou um movimento musical. Era apenas um momento de excitação, perturbação, inquietação artística. Não foi uma idéia com manifesto, objetivo e consistência, como foi o mangue na década de 90.

Show em Montreux,1982

Alguma história para nos contar de 33 anos atrás?
Zé da Flauta:
Cara, são várias! O problema com a censura era grande, com a Polícia Federal, também. Para se fazer um show, tínhamos que fazer prévia para a polícia... Só então eles decidiam se tua banda podia ou não fazer o show, peça de teatro ou o que fosse. Para se colocar um cartaz na rua, ou mesmo indoor, por exemplo, tinha que ter o carimbo da censura política e estética e, às vezes, isso só podia ser feito no dia do show. O tricódio de Lula, que ele trouxe do Marrocos, virou um símbolo visual, sexual, sonoro da época. Todos os discos gravados por essa turma, inclusive o meu com Paulo Rafael, tiveram a participação de Côrtes. Veja como ele dá um brilho especial em "Vou Danado Pra Catende", do Alceu Valença. Neste momento, estou escrevendo um livro de memórias que pretendo lançar no final de 2010.

E hoje?
Zé da Flauta:
Ando tocando no meu estúdio, compondo trilhas para TV, filmes, peças de teatro, produzindo discos e artistas. Atualmente estou trabalhando com a SpokFrevo Orquestra, um grupo que ajudei a criar com o objetivo de mostrar o frevo apenas como linguagem musical, sem o folclore. Já tocamos na China, por toda Europa. Vamos para a Índia em outubro. Nós somos uma Big Band de frevo. Eu não toco na orquestra, apenas produzo. Nos assista.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Lula Côrtes: "Sou um Factótum"

Continuamos com a série de entrevistas produzidas por Cristiano Bastos para o documentário Nas Paredes da Pedra Encantada. Confira conversa com Lula Côrtes em 2008.

Divulgação

Qual a importância de Paêbirú para a música brasileira?
Lula Côrtes
: Na época em que foi feito, nenhuma. Mesmo após o lançamento, a recepção foi fria. As pessoas não estavam preparadas pro espírito do disco. Paêbirú é um disco de "hoje", na verdade.

Como foram criados os efeitos do disco?
Lula Côrtes
: Se costuma pensar que a maioria dos efeitos são eletrônicos, mas, na realidade, são panelas com água, pios de caça, vozes humanas, chocalhos de cabra. A introdução que antecede o saxofone de "Segredo de Sumé" é uma corneta de vender picolé. Louco, né?!

O que descobriram de mais legal fazendo Paêbirú?
Lula Côrtes
: A amizade e, depois, harmonia pra continuarmos trabalhando em vários álbuns. Cada qual, após Paêbirú, seguiu seu caminho: Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Lailson, Zé da Flauta, Jarbas Maris.


Que bandas vocês ouviam?
Lula Côrtes
: It's a Beatifull Day, Crosby, Stills and Nash, Tyranossaurus Rex, Neil Young, Captain Beefheart, Grand Funk Railroad, e mais uma penca de coisas…

Alguma obra foi modelo para as "loucuras" do grupo?
Lula Côrtes
: Os discos que mais influenciaram foram os temáticos: Viagem ao Centro da Terra, Ozzy Bizza, Frank Zappa & Mothers of Invention. Dos brasileiros, basicamente Mutantes. Foi Duprat quem abriu nossas cabeças.

Qual é a energia da Pedra do Ingá?
Lula Côrtes
: A energia do mistério, do lendário que ficou no inconsciente coletivo e gerou muitas lendas mal-assombradas... Ainda hoje procuro outras formas de energia no local.

Lula Côrtes e o filho Haiminho/Divulgação

O que há de mais revelador em toda essa história?
Lula Côrtes
: Às vezes, estamos num lugar tão raro, em beleza e mística, que nem nos damos conta. No som, a fusão do folclore com a abordagem livre, vanguardista e psicodélica que tivemos.

Depois de Paêbirú, enveredou por qual trilha musical?
Lula Côrtes
: O caminho do RPB: Rock Popular Brasileiro. Já trabalho com a banda Má Companhia, de Recife, há 17 anos.

E hoje?
Lula Côrtes
: Hoje sou um eterno futucador de coisas, um factótum.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Zé Ramalho fala sobre Paêbirú

A partir dessa semana, publicamos uma série de entrevistas que serviram como inspiração e material de pesquisa para a produção de Nas Paredes da Pedra Encantada.

Começamos com Zé Ramalho que, em março de 2009, é entrevistado por Cristiano Bastos, um dos diretores do documentário. A matéria é publicada na edição nº30 da revista Rolling Stone. Leia aqui a entrevista.

Abaixo, estão extras da conversa entre Cristiano Bastos e Zé Ramalho, onde falam sobre o disco Paêbirú. Confira.

Por que você não quer mais falar sobre o álbum Paêbirú?
Zé Ramalho: As coisas são muito simples. Não vou citar aqui razões pessoais, particulares. A minha recusa em falar é assim: quando Paêbirú foi lançado, há mais de 30 anos, na época em que saiu, apesar da cheia que aconteceu, ninguém falou nada sobre ele. Alguns álbuns foram mandados aqui pro Rio de Janeiro. Por que tantos anos depois? Deviam ter falado sobre isso naquela época! Eu acho apenas incrível que se vislumbre tudo isso em torno de um trabalho que já foi feito há muito tempo.

E o Dom Tronxo, que tocou aquela guitarrona em "Raga dos Raios", do Paêbirú?
Zé Ramalho: Dom Tronxo tornou-se, depois, grande compositor. Ele tem discos gravados com selos alternativos. O encontrei em Caruaru, cerca de um ano atrás, morando numa fazenda. Fui ver um show que ele estava fazendo. O nome dele, na verdade, é João Fernando. Ele tinha um grupo chamado Dom Tronxo & As Borboletas Cor de Leite. Aí você pensa que vai entrar um cara com a banda, e entra o cara sozinho. Ele se chamava assim. Dom Tronxo era um cara muito loucão. Nas experiências de cogumelo ele sempre tava no meio. No encarte de Paêbirú ele aparece recebendo um cogumelo de uma criança. Quando ele ficava doidão, ele dizia assim pra gente: "Vem aqui. Vou mostrar que consigo mexer a lua com o dedo". (muitas risadas)

E a Pedra do Ingá?
Zé Ramalho: Essa pedra é o seguinte: de vez em quando faço visitas à Pedra do Ingá. É curiosa porque ela me dá projeções de como imagino certas coisas: criação do mundo, primeiros habitantes da terra, criaturas do espaço que vieram aqui. Eu sou agnóstico, como John Lennon: imagino o mundo sem religiões. Eu aceito a explicação, que cada vez é mais permanente, que foram criaturas do espaço que vêm nos visitar. Faço parte dessa legião de ufólogos que tem grande esperança numa revelação. Me sinto privilegiado em ser contatado por cientistas e ufólogos. A experiência de "Avôhai", que contei sobre aquela viagem de cogumelos, "as cortinas", tem uma presença alienígena. A visão que eu tive, na verdade, foi de uma nave gigantesca que estava em cima de mim (Ramalho diz mirando o teto), enorme. Por entre as nuvens dava pra ver a sombra da nave – imensa, gigantesca. Havia um apresença alienígena, com certeza. E quando olhei para o chão, estava repleto de ollhos de gente a me observar. Isso aconteceu perto de Recife, num pasto chamado Rio Botafogo, uma fazenda enorme onde os malucos descobriram as amanitas que nasciam por lá. Essa experiência lisérgica foi definitiva para toda minha vida.

A Elba, sua prima, se deu mal com as declarações dela...
Zé Ramalho: Ela deu mole com aquela história de dizer que foi "chipada". A Elba, da mesma forma que fala de UFO, fala de santas. Não pode.

Ela fez um "sincretismo espacial".
Zé Ramalho: Muito louco isso. Uma coisa dilui a outra. Se bem que até o Vaticano já mandou dar o seguinte recado: "A Santa Igreja aceita todas as criaturas do espaço porque são todas filhas de Deus" (risos). Mas algo importante está criptografado no painel da Pedra de Fogo. Ela está ligada com Machu Pichu e o Caminho da Montanha do Sol passa pela Pedra do Ingá. Foi uma criatura só que fez tudo aquilo... A Pedra do Ingá do Rio de Janeiro, onde o pessoal solta de asa delta, tem a forma de uma cara gigante. Todas essas inscrições foram feitas numa mesma "caminhada", que algum ser, numa nave gigantesca, fez pelo planeta milhares anos atrás.

Você tem o Paêbirú?
Zé Ramalho: Sim, o vinil pirata alemão.

O que planeja daqui pra frente?
Zé Ramalho: Antes, passar férias na Paraíba, na casa de praia que tenho em João Pessoa, à beira do mar, em Areia Vermelha. O melhor lugar do mundo. Eu passo um mês em contato com a natureza lá. Eu fico na praia com a minha mulher e os filhos, e me sinto muito bem com as pessoas que passam e acenam pra mim. Eles vão lá e ficam me cumprimentando o dia inteiro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

As pedras encantadas de Lula Côrtes

Republicamos aqui o texto do blog Encontro Radical, em que o professor de educação musical Ricardo Moreno de Melo compartilha suas impressões sobre a exibição do filme no RJ, dentro da programação do festival In-Edit 2011.

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AS PEDRAS ENCANTADAS DE LULA CÔRTES
por Ricardo Moreno de Melo

A noite era convidativa. Uma lua alta e minguante desenhava no céu uma luminosidade inspiradora. Afora o problema de estacionamento, tudo concorria para uma noite auspiciosa para assistir um documentário, que para além de suas qualidades intrínsecas, era pra mim um encontro com uma cena musical que – apesar de eu não ter convivido com ela diretamente – fazia parte de minha adolescência. O documentário era Nas paredes das pedras encantadas dos diretores Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos, e veiculado no Rio de Janeiro na mostra de documentários musicais In-Edit.
Encarte de Paêbirú
O documentário é uma tentativa de recriar as histórias em torno do álbum Paêbirú gravado em 1975 pelos então desconhecidos artistas Zé Ramalho e Lula Côrtes – artista recentemente falecido. Foi o primeiro disco do Zé, e o segundo de Lula, que dois anos antes, 1973, havia gravado o não menos psicodélico Satwa, com o hoje cartunista Laílson. Paêbirú seguiu uma trajetória que o envolveria anos mais tarde em uma atmosfera meio mítica. Isso porque logo depois de concluído, a Rozemblit, gravadora pernambucana na qual o disco foi gravado, sofreu uma inundação (uma cheia como dizemos em bom pernambuquês) e sobraram apenas algumas centenas do LP. Esse acontecimento fez com que as poucas unidades que circularam na época fossem vendidas "a peso de ouro". Parte deles, inclusive, foi vendida pra gente de outros países, o que acabou fazendo-o conhecido de pesquisadores estrangeiros ensejando com isso seu lançamento em CD na Inglaterra e Alemanha.

A inspiração desse disco está num sítio arqueológico situado na Paraíba em uma localidade chamada Ingá do Bacamarte, na qual se encontra uma pedra com muitos desenhos supostamente criados por uma antiga civilização já extinta. O primeiro contato que se tem notícia com este acervo arqueológico foi feito em 1598 pelos soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, quando os mesmos iam no encalço dos índios potiguares. Essa história foi contada no citadíssimo livro "Diálogos das grandezas do Brasil", de 1618, cujo autor, Ambrósio Fernandes Brandão, interpretava os tais símbolos como "figurativos de coisas vindouras". Algo como uma profecia.

O documentário não apresenta imagens da época. Talvez porque não haja mesmo nenhum registro em filme daqueles momentos, mas ele consegue recriar o ambiente místico alucinógeno em que o disco foi concebido, e quais eram as ambições estéticas existenciais dos artistas envolvidos. Há momentos muito interessantes tais como o encontro de Lula e Alceu, ou as entrevistas dadas pelos moradores da redondeza da Pedra do Ingá, localidade onde se encontra a tal pedra mística que serviu de inspiração para Lula e Zé. Mas não há dúvida que o ponto alto do documentário são as falas bem humoradas e inteligentes do próprio Lula Côrtes. Logo no início ele diz, em tom de chiste, que é muito dura a vida de um “pobre star” brasileiro. Isso ele fala quando estão indo na expedição à Pedra do Ingá “no pior carro do mundo, com a pista molhada e o motorista chama ‘Seu Morte’ ”. Sem dúvida, temos que concordar com ele!

Divulgação
Lula Côrtes foi um dos artistas mais “roots” (aprendi essa com meu filho) do cenário artístico musical do Brasil. Inquieto; culto; bom letrista; bom compositor e dono de um timbre de voz muito bonito, mas incapaz, assim me parece, de produzir sua própria carreira, como fizeram Alceu, Zé Ramalho e outros. Lula permaneceu até o final de sua vida como um marginal na MPB. No início da década de 1980 até que houve uma tentativa de colocá-lo em outro plano. Ele gravou pela gravadora Ariola, um álbum muito bem gravado, com encarte bonito e bom som, chamado “o gosto novo da vida”. O disco seria para colocá-lo num plano nacional, com shows de divulgação no Brasil inteiro. Era um disco que sem dúvida cairia no gosto do público, pelo menos de um público que curtia MPB, etc., mas o disco, apesar de muito bonito, não aconteceu. E não foi por causa de enchentes ou qualquer ocorrência fortuita, mas talvez por uma incapacidade de Lula em administrar a própria carreira. Uma pena para os amantes dessa senhora chamada MPB, pois muitos se tornariam, como eu me tornei, fã desse artista pernambucano.

Em muitos momentos da projeção eu ficava pensando na necessidade de se fazer conhecer aquela cena musical que se desenvolvia em Pernambuco da década de 1970. Era sem dúvida uma ocorrência antropofágica, na qual os jovens músicos assimilavam o rock e o fundia com as manifestações culturais locais. Era uma re-leitura do rock na qual lisergia e contestação se associavam ao canto árido dos caminhos do sertão. Mas tudo isso feito por jovens urbanos cheios de referências culturais da chamada “alta-cultura” ocidental e elementos da cultura oriental (Lula trouxe do Marrocos uma cítara popular batizado por ele de tricórdio). Este foi um momento de uma florescência musical na qual muitos artistas despontaram e criaram coisas belíssimas. Ali estavam Flaviola, o grupo Ave Sangria, Marconi Notaro e outros tantos músicos como Zé da Flauta, Robertinho do Recife e Paulo Rafael. Esta cena precisa ser revisitada!

Registre-se ainda que tudo isso acontecia em paralelo com o conhecido movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna. Como eram tempos bastante radicalizados esses dois grupos, por motivos estético-existenciais, não se misturavam. Depois tudo mudou, pois Antônio Nóbrega, filho dileto do movimento Armorial cantava junto no carnaval com Chico Science, filho dileto da cena rock-underground recifense.

No final da película dei de cara com Lenine, que olhava absorto para a tela no momento em que rolavam os créditos. Seu olhar parecia focado em algum ponto do passado, em que uma geração de artistas pernambucanos, como ele, mostrou uma força e uma qualidade criativas dignas de serem conhecidas pelo Brasil e pelo mundo. Viva a multifacetada cultura musical brasileira!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Pré-estreia em Porto Alegre

A produção da Kino Beat fez um vídeo com trechos do filme e imagens da pré-estreia do doc Nas Paredes da Pedra Encantada em Porto Alegre, em sessão comentada com o diretor Leonardo Bomfim no dia 19 de maio. Confira.

domingo, 5 de junho de 2011

Can I be Satwa?

Cristiano Bastos, diretor do documentário, produziu uma série de entrevistas com os personagens do udigrudi na época das filmagens de Nas Paredes da Pedra Encantada. Publicaremos aqui periodicamente matérias com os grandes nomes da cena musical nordestina. Começamos com Lailson de Holanda.
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CAN I BE SATWA?
por Cristiano Bastos

Divulgação/Lailson de Holanda

Dentro e fora do país, o pernambucano Lailson de Holanda Cavalcanti é prestigiado por sua obra como ilustrador. No mundo, o reconhecimento vem tanto do seu traço quanto de sua música. É de sua autoria a série clássica de HQ Pindorama, onde reconta a história do Brasil, desde a chegada dos portugueses até as eras Fernando Henrique & Lula.

Aos 17 anos, morando nos Estados Unidos, Lailson começou a publicar suas charges no jornal The Pine Cone (Arkansas, EUA), pelas quais recebeu o Award for Best Original Artwork, atribuído pela Arkansas High School Press Association. A música veio no final dos anos 60, quando, de volta ao país passou a dividir sua arte com o rock e o folk. Formou a banda Phetus - um dos grupos seminais do rock pernambucano dos anos 70 - com o guitarrista Paulo Rafael e Zé da Flauta. 

Em 1973, gravou com Lula Côrtes o LP instrumental Satwa, considerado o primeiro álbum independente editado no Brasil – hoje relançado pela Time-Lag Records (prensagem esgotada). Gravado nos estúdios da lendária Rozemblit, Satwa foi o primeiro lançamento do selo Abrakadabra, montado pelo multi-artista Lula Côrtes e pela designer, hoje cineasta, Katia Mesel. 

Lailson também deixou a marca de seu violão nordestino de 12 cordas tocando ao lado da troupe que tocou em Paêbirú. Gravado em 1973, Satwa traz a dupla Lailson/Côrtes tomada por uma lisergia pós-flower power, capaz de assustar incautos ouvintes em pleno 2008. Músicas como "Alegro Piradissimo", "Valsa dos Cogumelos" ou "Blue do Cachorro Muito Louco" não deixam dúvidas sobre o conteúdo do vinil – 'tosco', mas com ótimo som. Robertinho de Recife também faz uma ponta no disco, tocando 'lead guitar' na lentidão viajandona de "Blue do Cachorro Muito Louco".

O som predominante do disco, no entanto, é um folk nordestino/oriental, resultado da mistura da cítara popular tocada por Lula (trazida do Marrocos), o tricórdio, e da viola de 12 cordas de Lailson. Fruto da cena nordestina pós-tropicalismo, como traz a ficha técnica, Satwa foi "curtido" nos Estúdios da Rozemblit, em Recife, entre os dias 20 e 31 de janeiro de 1973. Com tiragem limitada e distribuição basicamente regional, o disco desapareceu tão logo surgiu, permanecendo lenda para o restante do país. A Time-Lag o relançou com o nome de Satwa World Edition

Como foi produzir Satwa em 1973, em Recife? Imagino as dificuldades enfrentadas.
Lailson: Foi um desafio, uma diversão e uma grande viagem. Em agosto de 1971 eu tinha retornado de um ano (1970/71) como bolsista internacional nos Estados Unidos, onde morei bastante tempo em Arkansas e depois em Nova York. Antes de viajar eu já tinha banda de garagem com Paulo Rafael (que hoje toca com Alceu Valença e que tocou comigo e Zé da Flauta na banda Phetus) e, ao voltar para o Recife, encontrei a cidade bastante agitada.Em novembro de 72, o DA de Medicina resolveu organizar o nosso "Woodstock" local, que foi a Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém, dois dias de "rock do pôr ao nascer do sol" e me chamaram para ser o coordenador da parte musical do evento, já que eu transitava pelas mais diversas bandas da cidade. Foi aí que conheci Lula Côrtes e iniciamos uma grande amizade, pois tínhamos muita coisa em comum (desenho, pintura, poesia, música, psicodelismo). Passado o festival, passamos a nos encontrar regularmente na casa dele e começamos a criar uma música diferente, eu com uma viola de 12 cordas e Lula com o tricórdio que havia trazido do Marrocos. Minhas influências eram o rock e o blues. Lula, pela própria escala do instrumento oriental, criava melodias que se assemelhavam a ragas indianas. Ambos temos um "sotaque" nordestino que transparece nas músicas que compusemos naquela época. Começamos a gravar domesticamente o que estávamos fazendo, as pessoas passaram a aparecer por lá para ver o que estava rolando e daí, para decidirmos gravar um LP, foi um pulo. Eu estava juntando uma grana para viajar, mas resolvi investir no projeto. Então, Satwa é o resultado de tudo isso, de todo esse momento, e da época. 

Satwa é considerada a primeira produção independente do rock brasileiro. Hoje, isso te espanta?
Lailson: Como falei: gravar um disco era uma coisa tão natural que nem pensamos que esse não era o caminho normal. A Rozemblit, apesar de antiga, era acessível (foi a primeira gravadora brasileira a lançar, numa coletânea, uma música do Ray Charles) e estava meio que às moscas. Lá a gente dispunha de tudo o que era necessário: estúdio, prensagem e gráfica. Alugamos o estúdio de 20 a 31 de janeiro de 73 e gravávamos de noite, de tarde, na hora que desse, varando as madrugadas. Foram horas de gravação, fazendo variações dos temas que estávamos compondo, dos quais selecionamos as versões que consideramos as melhores. O estúdio tinha limitações técnicas que foram muito divertidas de contornar, como por exemplo, o fato de que se eu fosse fazer um overdub tinha que ficar tocando colado com a cabine de som, senão, dava um delay! A capa também foi um processo conjunto: o design é de Kátia Mesel, a fotografia da capa é uma experiência de Lula, as outras fotografias são de Paulo Klein e tem dois desenhos meus na contracapa. Por certo que sabíamos que estávamos fazendo algo novo, mas não imaginávamos que éramos pioneiros na produção do rock independente. Isso eu só vim saber quase 20 anos depois, através de pesquisadores.

Quanto ao som: o que você e Lula Côrtes pensaram, na hora de fazê-lo. O que ouviam para criar Satwa?
Lailson: Satwa é uma palavra em Sânscrito que pode ser traduzida como sendo a interface, o equilíbrio, a harmonia, entre o corpo material e o corpo espiritual. Esse é o conceito fundamental do disco: um equilíbrio entre duas coisas diferentes que se harmonizam. O cérebro humano tem dois hemisférios, assim como o planeta Terra, e ambos se equilibram, mesmo através de conflitos. A música do hemisfério ocidental, seja o blues ou o repente de viola têm em si os elementos da cultura oriental. Recife é, ao mesmo tempo, um pequeno ponto na beira do Atlântico e uma cidade cosmopolita em contato com o resto do mundo. A música produzida aqui é música produzida no planeta Terra. Satwa, musicalmente, transmite todos esses encontros.O disco apresenta essa dualidade harmônica em todos os seus aspectos, como pode ser visto nas cores da capa: cian e magenta, duas cores absolutas. Não há preto, não há amarelo.Mas, sobre o branco, as duas cores absolutas se harmonizam e criam a identidade visual específica do disco. As músicas têm e não têm letras. Os títulos dizem tudo o que se precisa saber sobre elas: "Amigo", "Atom", "Apacidonata", "Valsa dos Cogumelos", "Blues do Cachorro Muito Louco", "Can I Be Satwa?", "Alegria do Povo", "Alegro Piradíssimo", "Lia A Rainha da Noite" - são títulos e são versos, são letras. Mas se as músicas tivessem letras no sentido comum, elas teriam que ser submetidas à "censura prévia" da Polícia Federal da época, o que não faria nenhum sentido para o que estávamos criando. Então, o que precisava estar escrito para dizer o que é Satwa, está escrito na contracapa. Além do texto (contando a saga do disco musical voador que ficou preso no limbo e foi resgatado pelo Capitão Nemo da Patrulha do Salto do Tempo) que escrevi para a Time-Lag Records, que relançou o LP em 2004, acrescentei uma tradução dos títulos para que os leitores de língua inglesa pudessem também compreender esta parte da obra. Quanto ao som que ouvíamos, variava muito. Eu era fã do Cream, Traffic, Jimi Hendrix, Jethro Tull, Pink Floyd, Emerson, Lake and Palmer, King Crimson e Mothers of Invention. E Beatles e Rolling Stones, claro. Mas, para criar Satwa, ouvimos mesmo foi a "música das esferas".

Como sua arte se intersecciona com tudo isso?
Lailson: No disco ela só aparece nos dois desenhos da contracapa e no selo. Naquela época (eu era praticamente um garoto), meus desenhos circulavam apenas entre os amigos e apareciam nos cartazes que eu fazia para a minha banda Phetus (surgida após Satwa) e para as bandas dos amigos, como o Ave Sangria e o Batalha Cerrada. Era uma arte psicodélica, com elementos de fantasia e do fantástico. A partir de 1975 é que passei a publicar na imprensa e meu desenho de humor político tornou-se mais conhecido. Hoje, com os quadrinhos e a ilustração, muito do meu estilo daquela época está retornando.


*Lailson de Holanda, um dos personagens do doc Nas Paredes da Pedra Encantada. Ouça algumas canções do álbum aqui no andar de baixo, ó:


Fonte: http://zuboski.blogspot.com/2008/09/can-i-be-satwa.html

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Exibição em Caxias do Sul

Nesse domingo, 5 de junho, o doc Nas Paredes da Pedra Encantada chega em Caxias do Sul! A exibição na cidade natal do diretor Cristiano Bastos será às 15h no Centro de Cultura Ordovás. A cópia será a mesma exibida pela 2ª Mostra Kino Beat Cinema + Música. em Porto Alegre, com o filme ainda em processo de finalização.

Exibição em Caxias do Sul - Nas Paredes da Pedra Encantada

Domingo, 05/06 às 15h
Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho
Rua Luiz Antunes, 312 - Bairro Panazzolo
Entrada franca

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Rolé na Paraíba

Descrito como um road movie, Nas Paredes da Pedra Encantada revela as histórias por trás de Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol, álbum lançado em 1975 por Lula Côrtes e Zé Ramalho. A bordo de uma Kombi, os diretores Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim viajaram pelo interior da Paraíba com Lula Côrtes, artista pernambucano que uniu ritmos regionais e rock, e morreu em março, aos 61 anos.  O filme será exibido sábado, às 19h.

Confira aqui matéria de Salvatore Carrozzo publicada no Correio24h nessa quinta-feira sobre a ida do festival In-Edit 2011 para Salvador.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Documentário chega à Bahia

O Festival Internacional do documentário musical, In-edit, de 2011 fica bahiano em junho. Salvador recebe no Cinema do Museu uma versão reduzida da programação deste ano do festival, entre 02 e 09 de junho. Nas Paredes da Pedra Encantada, em versão não definitiva, será exibido no sábado, dia 04. Confira aqui a programação completa.

Exibição em Salvador - Nas Paredes da Pedra Encantada
04/06 às 19h
Cinema do Museu
Av. Sete de Setembro, 2595 - Corredor da Vitória
Salvador - BA

O carisma de Lula

“Queríamos que o filme respirasse, fugisse de edições frenéticas, de ritmo videoclíptico. E que tudo nele fosse novo, sem imagens de arquivo — até porque elas não existem —, mostrando o que a gente viu”, conta o jornalista gaúcho radicado em Brasília Cristiano Bastos. “A ideia não era apenas entrevistar, mas olhar as pessoas. Como o Pennebaker em Don’t look back, filmando detalhes dos personagens, um filme observador”, emenda o carioca Leonardo Bomfim, mestrando em comunicação morando em Porto Alegre, em referência ao documentário do diretor americano que captura Bob Dylan em 1965.

Foto: Flora Pimentel
Brasília recebeu nessa quinta-feira (26/05) show de Zé Ramalho e, aproveitando o ensejo, o jornalista Pedro Brandt escreveu uma bela matéria sobre o docuimentário para o O Correio Braziliense publicou nessa quinta-feira matéria sobre o filme, com ensejo de show de Zé Ramalho na cidade. Confira matéria de

Documentário registra o carisma magnético do músico Lula Côrtes

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Nas Paredes da P.F. Gastal

O documentário Nas Paredes da Pedra Encantada foi exibido em Porto Alegre na última quinta-feira dentro da programação da segunda Mostra Kino Beat. Confira abaixo fotos do debate com o curador Gabriel Cevallos e o diretor Leonardo Bomfim, por Rafael Penteado.


Linkamos vídeo do jornalismo da MTV-RS sobre a segunda edição da Mostra Kino Beat. Prestigie os outros filmes da programação.

Notícias Kino Beat from MTV RS - Jornalismo on Vimeo.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Arqueologia musical no Sertão

Saiu nessa quinta-feira, no caderno de cultura Panorama do Jornal do Comércio matéria de Ricardo Gruner sobre a estreia do filme em Porto Alegre.

Lembrando que o filme estreia hoje na cidade, no festival de cinema Kino Beat.

Exibição em Porto Alegre - Nas Paredes da Pedra Encantada
Sessão seguida de debate com o diretor Leonardo Bomfim
19/05 às 19h
Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro
Entrada franca

Para ler a matéria do JC, clique na imagem abaixo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Filme está na Kino Beat de Porto Alegre

Nas Paredes da Pedra Encantada já tem data para chegar nos cinemas de Porto Alegre. O filme está na programação da 2ª Mostra Kino Beat Cinema + Música. A sessão será no dia 19 de maio na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro com debate do diretor Leonardo Bomfim. Não perca!

Nas Paredes da Pedra Encantada (sessão seguida de debate com o diretor Leonardo Bomfim)
quinta-feira, 19/05 às 19h
Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Homem Comum

Foto: Ricardo Moura


NAS PAREDES DA PEDRA ENCANTADA
por Marcelo Fonseca do blog Homem Comum

Dentro da programação do In-EDIT, foi apresentado o documentário "Nas Paredes da Pedra Encantada" de Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos. Pelo que os próprios diretores disseram é uma edição "próxima" da final. Talvez até, uma versão que só o público deste festival verá pois o documentário ainda não está pronto em definitivo. E isso fica muito claro, pois apesar de muito bom, existem trechos um tanto longos, que poderiam ser mais lapidados ou cortados fora. Nada que estrague, faz parte do próprio processo de criação.

O filme é um road-movie que vai atrás das histórias do "Paêbiru", album de 1975 assinado por Lula Côrtes e Zé Ramalho. Os diretores são guiados por Lula de volta a pedra do Ingá no interior da Paraíba, para verem e entenderem de onde "saiu" esse disco. O documentário em si é produção bem simples, que se resolve muito pela criatividade e pela força de seus narradores. Um dos destaques fica por conta da persona de Lula Côrtes, falecido a pouco tempo, e uma das mentes criadoras do disco. Lula cativa por sua simpatia e magnetiza com seus olhos de doido. E mostra que uma mente a mil por hora nunca descansa, sempre criando, nem que essa criação seja re-inventar o próprio passado. É na voz dele que muitas situações engraçadas são narradas, mas não a única, pois o filme ouve ainda Kátia Mezel, Hugo Leão, Laílson de Holanda e Alceu Valença cada um a seu modo ajudando a construir essa narrativa saborosa.

Além de uma boa história o filme nos faz pensar na produção cultural e artística fora do eixo sudeste nos anos 70. São apresentadas conexões entre cidades do Nordeste e idas e vindas de músicos que se agrupando na base da camaradagem desenvolveram uma atividade artística e musical muito rica. Fica uma boa oportunidade de se pensar que por sermos um país sem memória, muito está se perdendo. O filme ainda rola durante a programação do In-EDIT e na minha humilde opinião é mais do que recomendado.



Leonardo Bomfim + China

Confira o programa que foi ao ar ontem na MTV onde o diretor Leonardo Bomfim fala sobre o filme Nas Paredes da Pedra Encantada. O programa Na Brasa é apresentado pelo cantor pernambucano China (ex-Sheik Tosado).

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Na Paredes na MTV esta noite

Hoje, Leonardo Bomfim, um dos diretores de Nas Paredes da Pedra Encantada, dará uma breve entrevista ao programa Na Brasa da MTV, comandado pelo pernambucano China. Falam sobre o Paêbirú, Lula Côrtes e histórias insólitas daquela época. Trechos do filme serão exibidos. O programa vai ao ar às 20h, com reprise à 1h e às 9h da manhã de quinta.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Paêbirú clássico

Na edição deste mês de maio da Bravo!, saiu matéria do crítico de cinema José Geraldo Couto. Confira o texto e acesse mais conteúdo no site da revista.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nas Paredes e na Ilustrada

Saiu nessa quinta-feira, 28 de abril, matéria sobre o lançamento do filme na Ilustrada da Folha de S.Paulo. Confira abaixo.


FILME INVESTIGA AS VIAGENS DE "PAÊBIRÚ"
Disco criado por Zé Ramalho e Lula Cortes em 1974 é o mais raro do país
Brigado com Cortes há anos, Ramalho não quis dar depoimento ao documentário, mas liberou uso das canções
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO

Mais que um simples road movie, "Nas Paredes da Pedra Encantada", que estreia no sábado, dentro da programação do festival In-Edit, é uma "viagem sobre uma viagem sobre uma viagem". A definição é dos próprios realizadores, Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim. Em busca de investigar a feitura do mitológico álbum "Paêbirú" (1975), de Lula Cortes e Zé Ramalho, a dupla percorreu o interior da Paraíba até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico rodeado de lendas que inspirou o trabalho.

Essa é a terceira viagem a que os diretores se referem. A primeira foi a que Cortes (1950-2011) e Ramalho fizeram à mesma pedra em 1974, à procura de inspiração para compor o álbum. Dormiram ali, ao relento, muitas e muitas noites -no filme, Lula fala em 12 visitas ao local. Aos pés da pedra, os músicos colheram cogumelos alucinógenos, fizeram fogueira, usaram LSD. A segunda viagem é, portanto, psicodélica. "No projeto original [do filme], Lula queria que todos da equipe tomássemos um LSD puro", diz Cristiano Bastos. "Queria nos levar à Pedra repetindo a experiência na íntegra. Isso, é preciso dizer, acabou não acontecendo."

Criado sob esse clima alucinado, o LP "Paêbirú" acabou por se tornar uma das peças mais importantes do rock psicodélico brasileiro - "legitimamente brasileiro", aliás, como lembra Bastos."Os caras foram buscar a psicodelia numa lenda indígena, não nos elfos ingleses."

O que deu ainda mais potencial mitológico ao trabalho foi seu trágico destino. Poucos dias depois de ser prensado, ainda no estoque da gravadora Rozenblit, uma inundação destruiu mil das 1.300 cópias existentes. Isso tudo o torna o vinil mais raro do Brasil, nunca custando menos de R$ 5 mil.

Lula Cortes morreu no começo deste ano. E é em torno dele que o filme gira. Entram em cena também outros envolvidos no álbum, como o fotógrafo Fred Mesel, a capista Kátia Mesel e alguns músicos, como Alceu Valença. Zé Ramalho, no entanto, não dá depoimento algum. Coautor do álbum em questão, ele não quis ter sua imagem no documentário. "Ele e Lula estavam com relacionamento cortado há muito tempo", explica Bastos. "Zé me liberou completamente para usar as músicas no filme. Só não queria imagem dele. Que diabos levaram às rusgas dos dois não nos interessou tanto. Não quisemos evidenciar o viés de uma picuinha dentro de uma história tão bonita."

NAS PAREDES DA PEDRA ENCANTADA
DIREÇÃO Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim
PRODUÇÃO Brasil
QUANDO sábado, às 19h
ONDE Cine Olido (av. São João, 473, tel. 0/xx/11/3331-8399)
CLASSIFICAÇÃO não informada

Fonte: Folha de S.Paulo

terça-feira, 19 de abril de 2011

Nas Paredes do Rio de Janeiro

Amigos cariocas: confirmado! Nas Paredes da Pedra Encantada de Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim (Brasil, 2011, 130min) terá sua premiére carioca dentro da programação do Festival Internacional de Documentário Musicais, IN-EDIT. Será no dia 7 de maio, sábado, às 21h, no Artplex Botafogo.

Foto: Ricardo Moura

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Lula + Dalí

Abaixo, reproduzimos matéria publicada no Correio da Paraíba do dia 31 de março. Nela está uma das histórias contadas por Lula Côrtes durante a filmagem do documentário, um visita que fez com Kátia Mesel à casa do pintor espanhol Salvador Dalí. Clique na imagem para ver em tamanho maior.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Doc estreia no fim no mês

Prestes a ser lançado nacionalmente no In-Edit, o doc Nas Paredes da Pedra Encantada ganha matéria de Luiz Filipe Tavares na revista TRIP. Confira.

Foto: Flora Pimentel

NA TRILHA DO PAÊBIRÚ
Por Luiz Filipe Tavares
Nas Paredes da Pedra Encantada estreia com história mística do disco mais caro do Brasil

Em produção desde 2009, o filme Nas Paredes da Pedra Encantada finalmente tem uma data de estreia definida. O documentário de Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim, que conta a mística história por trás da obra-prima de Lula Côrtes e Zé Ramalho, a pérola psicodélica Paêbirú, finalmente chega às salas de cinema na edição 2011 do festival In-Edit, que rola de 28 de abril ao dia 12 de maio nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Conversamos com Cristiano Bastos, co-diretor do filme, para falar sobre a produção do documentário que sai depois de uma infeliz coincidência: a morte do cantor, compositor e pintor Lula Côrtes. Personagem central da história, Lula deixou órfãos milhares de fãs ao redor do mundo no último sábado (26), em um leito no hospital Barão de Lucena, em Recife, vítima de um câncer na garganta que combatia nos últimos cinco anos. Nascido de uma grande reportagem que o diretor fez para a Rolling Stone, o embrião de Nas Paredes da Pedra Encantada foi alimentado pelo próprio Lula, que se responzabilizou em guiar essa viagem de volta à mística Pedra do Ingá.

"Quase tudo foi feito por conta dessa lenda de Sumé, que perpassa todo o disco. A Pedra do Ingá do Bacamarte, que influenciou o disco também, foi um dos caminhos que o índio Sumé teria passado em fuga dos índios Tupinambá. Por isso seria Paê-beru (em Tupi, Caminho ao Peru). É o caminho que o índio percorreu a pé até o Peru", explicou Cristiano. "É um disco que tem muito valor financeiro, é verdade. Mas mais do que isso. Esse disco tem muito valor cultural. É uma das primeiras manifestações da psicodelia realmente brasileira, com temas verdadeiramente brasileiros."

E o valor financeiro não é pouco não. Devido a uma enchente que varreu Recife em 1975, apenas 300 cópias do disco sobreviveram, de 1300 produzidas. Com isso, essa pequena pepita da música psicodélica nacional pode chegar até R$ 5.000 no mercado dos colecionadores. Isso se você encontrar alguém disposto a vender. "Há um tempo atrás eu cheguei a ver gente no Orkut vendendo só os vinis, sem as capas e sem nada. Gente que achou o disco no meio de um terreno e vendeu só os vinis, do jeito que estavam, por mais da metade do preço de coleção", conta Cristiano, mostrando um pouco dessa fixação que o disco provoca nas pessoas.

Mas nada tão mesquinho quanto dinheiro pode medir o verdadeiro valor de Paêbirú. A obra definiu toda uma geração de músicos e compositores nordestinos, apropriando-se e ampliando tudo aquilo que a Tropicália trouxe para a música do Brasil na década anterior. Sem saber, a viagem transcedental de Zé Ramalho e Lula Côrtes foi ecoar 35 anos depois do seu lançamento muito além da linha do Equador, sendo relançado nos Estados Unidos e alimentando as mentes de uma nova safra de bandas do folk psicodélico da geração New Weird America (Noah Georgeson, Bon Iver, entre outros).

Lula, descanse em paz

"A última vez que eu falei com o Lula, por incrível que pareça, foi pelo Gtalk. E eu nem sabia que ele usava a internet. E ai ele me mandou uma mensagem perguntando: 'e aí Cristiano? Não vai lançar esse filme, porra?", revela Cristiano, divertindo-se com a surpresa de ver um mestre da cultura de raiz navegando na internet. "Ele ainda brincou, perguntando se depois de tanto trabalho não ia ver o filme lançado. Tive que rir né? E o pior é que ele estava certo."

Triste com a morte do cantor, Cristiano ainda comentou sua relação pessoal com Lula nos três meses que passou entre Pernambuco e Paraíba, coletando depoimentos da imensa maioria das pessoas envolvidas no projeto. Durante esse período, o diretor pode desfrutar da hospitalidade e da companhia de Lula em seu ateliê na região de Jaboatão dos Guararapes, onde conviveu não só com o compositor, mas também com o artista plástico Lula Côrtes.

"Eu tive a chance de passar um bom tempo com ele. Sabe quando você fica tentando absorver a inteligência de uma pessoa? Então. Ele era um cara muito vibrante.Você quer conversar com ele. Quer estar sempre perto dele. Sempre conversando pra extrair aquele conteúdo e toda aquela consciência artística que ele tinha", emociona-se o diretor. "Pior é que a gente ia comprar a passagem dele pra São Paulo nesta segunda (28), mas infelizmente... não foi possível."

Estreia no In-Edit

A terceira edição do Festival Internacional do Documentário Musical, o In-Edit, será o palco da estreia de Nas Paredes da Pedra Encantada nas telas de cinema do Brasil. O festival começa em São Paulo no dia 28 de abril e vai até o dia 8 de maio. No dia 6 de maio serão as primeiras sessões no Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, o In-Edit 2011 segue até o dia 12. Segundo a assessoria de imprensa do festival, a programação completa deve sair ainda nesta semana.

A estreia oficial do documentário será no Cine Olido, no coração do centro de São Paulo, no próximo dia 30 de abril. Com Lula como guia da viagem, o filme conta com depoimentos de Alceu Valença (que canta com Lula uma música inédita de sua autoria); de Hugo Leão, velho parceiro de Zé Ramalho, que tocou o marcante órgão Farfisa na canção 'Nas Paredes da Pedra Encantada"; da cineasta Katia Mesel, ex-esposa de Lula, que participou da concepção e gravação de Paêbirú; de Raul Córdula, antropólogo paraibano que apresentou a Cortês e Ramalho em 1975 a Pedra do Ingá, que influenciou a criação do álbum; além do cartunista Lailson de Holanda, parceiro no disco Satwa, que precedeu Paêbirú e é tão raro quanto hoje em dia. Zé Ramalho não quis gravar entrevista mas sua presença é marcante no documentário.

Segundo o próprio Cristiano, o processo de captação foi rápido e bastante abrangente. "A produção foi uma coisa bem punk. Eu e o Leonardo resolvemos fazer e dissemos: 'então vamo fazer essa porra'. A gente não quis esperar pra ficar captando, então ninguém se perde em devaneios e digressões. Então a gente decidiu e foi. Eu morei três meses em Recife, mais entre Recife e a Paraíba", explicou Cristiano. "A gente gravou no estúdio do Lula em Jaboatão dos Guararapes, em Ingá do Bacamarte, onde fica a Pedra do Ingá ou Pedra Lavrada, onde tem aquelas inscrições pré-históricas que até hoje ninguém sabe o quer dizer. Além da casa do Alceu Valença e muitos outros lugares."

Nas Paredes da Pedra Encantada é o primeiro filme da dupla Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim e já é um dos lançamentos nacionais de 2011 que você não pode perder. Abaixo, você vê o trailer do filme. Não deixe de assistir para entender um pouco mais da história e da mística por trás do mais caro vinil brasileiro e desse disco seminal da nossa música popular.

Fonte: Revista Trip