terça-feira, 21 de junho de 2011

Lula Côrtes: "Sou um Factótum"

Continuamos com a série de entrevistas produzidas por Cristiano Bastos para o documentário Nas Paredes da Pedra Encantada. Confira conversa com Lula Côrtes em 2008.

Divulgação

Qual a importância de Paêbirú para a música brasileira?
Lula Côrtes
: Na época em que foi feito, nenhuma. Mesmo após o lançamento, a recepção foi fria. As pessoas não estavam preparadas pro espírito do disco. Paêbirú é um disco de "hoje", na verdade.

Como foram criados os efeitos do disco?
Lula Côrtes
: Se costuma pensar que a maioria dos efeitos são eletrônicos, mas, na realidade, são panelas com água, pios de caça, vozes humanas, chocalhos de cabra. A introdução que antecede o saxofone de "Segredo de Sumé" é uma corneta de vender picolé. Louco, né?!

O que descobriram de mais legal fazendo Paêbirú?
Lula Côrtes
: A amizade e, depois, harmonia pra continuarmos trabalhando em vários álbuns. Cada qual, após Paêbirú, seguiu seu caminho: Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Lailson, Zé da Flauta, Jarbas Maris.


Que bandas vocês ouviam?
Lula Côrtes
: It's a Beatifull Day, Crosby, Stills and Nash, Tyranossaurus Rex, Neil Young, Captain Beefheart, Grand Funk Railroad, e mais uma penca de coisas…

Alguma obra foi modelo para as "loucuras" do grupo?
Lula Côrtes
: Os discos que mais influenciaram foram os temáticos: Viagem ao Centro da Terra, Ozzy Bizza, Frank Zappa & Mothers of Invention. Dos brasileiros, basicamente Mutantes. Foi Duprat quem abriu nossas cabeças.

Qual é a energia da Pedra do Ingá?
Lula Côrtes
: A energia do mistério, do lendário que ficou no inconsciente coletivo e gerou muitas lendas mal-assombradas... Ainda hoje procuro outras formas de energia no local.

Lula Côrtes e o filho Haiminho/Divulgação

O que há de mais revelador em toda essa história?
Lula Côrtes
: Às vezes, estamos num lugar tão raro, em beleza e mística, que nem nos damos conta. No som, a fusão do folclore com a abordagem livre, vanguardista e psicodélica que tivemos.

Depois de Paêbirú, enveredou por qual trilha musical?
Lula Côrtes
: O caminho do RPB: Rock Popular Brasileiro. Já trabalho com a banda Má Companhia, de Recife, há 17 anos.

E hoje?
Lula Côrtes
: Hoje sou um eterno futucador de coisas, um factótum.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Zé Ramalho fala sobre Paêbirú

A partir dessa semana, publicamos uma série de entrevistas que serviram como inspiração e material de pesquisa para a produção de Nas Paredes da Pedra Encantada.

Começamos com Zé Ramalho que, em março de 2009, é entrevistado por Cristiano Bastos, um dos diretores do documentário. A matéria é publicada na edição nº30 da revista Rolling Stone. Leia aqui a entrevista.

Abaixo, estão extras da conversa entre Cristiano Bastos e Zé Ramalho, onde falam sobre o disco Paêbirú. Confira.

Por que você não quer mais falar sobre o álbum Paêbirú?
Zé Ramalho: As coisas são muito simples. Não vou citar aqui razões pessoais, particulares. A minha recusa em falar é assim: quando Paêbirú foi lançado, há mais de 30 anos, na época em que saiu, apesar da cheia que aconteceu, ninguém falou nada sobre ele. Alguns álbuns foram mandados aqui pro Rio de Janeiro. Por que tantos anos depois? Deviam ter falado sobre isso naquela época! Eu acho apenas incrível que se vislumbre tudo isso em torno de um trabalho que já foi feito há muito tempo.

E o Dom Tronxo, que tocou aquela guitarrona em "Raga dos Raios", do Paêbirú?
Zé Ramalho: Dom Tronxo tornou-se, depois, grande compositor. Ele tem discos gravados com selos alternativos. O encontrei em Caruaru, cerca de um ano atrás, morando numa fazenda. Fui ver um show que ele estava fazendo. O nome dele, na verdade, é João Fernando. Ele tinha um grupo chamado Dom Tronxo & As Borboletas Cor de Leite. Aí você pensa que vai entrar um cara com a banda, e entra o cara sozinho. Ele se chamava assim. Dom Tronxo era um cara muito loucão. Nas experiências de cogumelo ele sempre tava no meio. No encarte de Paêbirú ele aparece recebendo um cogumelo de uma criança. Quando ele ficava doidão, ele dizia assim pra gente: "Vem aqui. Vou mostrar que consigo mexer a lua com o dedo". (muitas risadas)

E a Pedra do Ingá?
Zé Ramalho: Essa pedra é o seguinte: de vez em quando faço visitas à Pedra do Ingá. É curiosa porque ela me dá projeções de como imagino certas coisas: criação do mundo, primeiros habitantes da terra, criaturas do espaço que vieram aqui. Eu sou agnóstico, como John Lennon: imagino o mundo sem religiões. Eu aceito a explicação, que cada vez é mais permanente, que foram criaturas do espaço que vêm nos visitar. Faço parte dessa legião de ufólogos que tem grande esperança numa revelação. Me sinto privilegiado em ser contatado por cientistas e ufólogos. A experiência de "Avôhai", que contei sobre aquela viagem de cogumelos, "as cortinas", tem uma presença alienígena. A visão que eu tive, na verdade, foi de uma nave gigantesca que estava em cima de mim (Ramalho diz mirando o teto), enorme. Por entre as nuvens dava pra ver a sombra da nave – imensa, gigantesca. Havia um apresença alienígena, com certeza. E quando olhei para o chão, estava repleto de ollhos de gente a me observar. Isso aconteceu perto de Recife, num pasto chamado Rio Botafogo, uma fazenda enorme onde os malucos descobriram as amanitas que nasciam por lá. Essa experiência lisérgica foi definitiva para toda minha vida.

A Elba, sua prima, se deu mal com as declarações dela...
Zé Ramalho: Ela deu mole com aquela história de dizer que foi "chipada". A Elba, da mesma forma que fala de UFO, fala de santas. Não pode.

Ela fez um "sincretismo espacial".
Zé Ramalho: Muito louco isso. Uma coisa dilui a outra. Se bem que até o Vaticano já mandou dar o seguinte recado: "A Santa Igreja aceita todas as criaturas do espaço porque são todas filhas de Deus" (risos). Mas algo importante está criptografado no painel da Pedra de Fogo. Ela está ligada com Machu Pichu e o Caminho da Montanha do Sol passa pela Pedra do Ingá. Foi uma criatura só que fez tudo aquilo... A Pedra do Ingá do Rio de Janeiro, onde o pessoal solta de asa delta, tem a forma de uma cara gigante. Todas essas inscrições foram feitas numa mesma "caminhada", que algum ser, numa nave gigantesca, fez pelo planeta milhares anos atrás.

Você tem o Paêbirú?
Zé Ramalho: Sim, o vinil pirata alemão.

O que planeja daqui pra frente?
Zé Ramalho: Antes, passar férias na Paraíba, na casa de praia que tenho em João Pessoa, à beira do mar, em Areia Vermelha. O melhor lugar do mundo. Eu passo um mês em contato com a natureza lá. Eu fico na praia com a minha mulher e os filhos, e me sinto muito bem com as pessoas que passam e acenam pra mim. Eles vão lá e ficam me cumprimentando o dia inteiro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

As pedras encantadas de Lula Côrtes

Republicamos aqui o texto do blog Encontro Radical, em que o professor de educação musical Ricardo Moreno de Melo compartilha suas impressões sobre a exibição do filme no RJ, dentro da programação do festival In-Edit 2011.

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AS PEDRAS ENCANTADAS DE LULA CÔRTES
por Ricardo Moreno de Melo

A noite era convidativa. Uma lua alta e minguante desenhava no céu uma luminosidade inspiradora. Afora o problema de estacionamento, tudo concorria para uma noite auspiciosa para assistir um documentário, que para além de suas qualidades intrínsecas, era pra mim um encontro com uma cena musical que – apesar de eu não ter convivido com ela diretamente – fazia parte de minha adolescência. O documentário era Nas paredes das pedras encantadas dos diretores Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos, e veiculado no Rio de Janeiro na mostra de documentários musicais In-Edit.
Encarte de Paêbirú
O documentário é uma tentativa de recriar as histórias em torno do álbum Paêbirú gravado em 1975 pelos então desconhecidos artistas Zé Ramalho e Lula Côrtes – artista recentemente falecido. Foi o primeiro disco do Zé, e o segundo de Lula, que dois anos antes, 1973, havia gravado o não menos psicodélico Satwa, com o hoje cartunista Laílson. Paêbirú seguiu uma trajetória que o envolveria anos mais tarde em uma atmosfera meio mítica. Isso porque logo depois de concluído, a Rozemblit, gravadora pernambucana na qual o disco foi gravado, sofreu uma inundação (uma cheia como dizemos em bom pernambuquês) e sobraram apenas algumas centenas do LP. Esse acontecimento fez com que as poucas unidades que circularam na época fossem vendidas "a peso de ouro". Parte deles, inclusive, foi vendida pra gente de outros países, o que acabou fazendo-o conhecido de pesquisadores estrangeiros ensejando com isso seu lançamento em CD na Inglaterra e Alemanha.

A inspiração desse disco está num sítio arqueológico situado na Paraíba em uma localidade chamada Ingá do Bacamarte, na qual se encontra uma pedra com muitos desenhos supostamente criados por uma antiga civilização já extinta. O primeiro contato que se tem notícia com este acervo arqueológico foi feito em 1598 pelos soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, quando os mesmos iam no encalço dos índios potiguares. Essa história foi contada no citadíssimo livro "Diálogos das grandezas do Brasil", de 1618, cujo autor, Ambrósio Fernandes Brandão, interpretava os tais símbolos como "figurativos de coisas vindouras". Algo como uma profecia.

O documentário não apresenta imagens da época. Talvez porque não haja mesmo nenhum registro em filme daqueles momentos, mas ele consegue recriar o ambiente místico alucinógeno em que o disco foi concebido, e quais eram as ambições estéticas existenciais dos artistas envolvidos. Há momentos muito interessantes tais como o encontro de Lula e Alceu, ou as entrevistas dadas pelos moradores da redondeza da Pedra do Ingá, localidade onde se encontra a tal pedra mística que serviu de inspiração para Lula e Zé. Mas não há dúvida que o ponto alto do documentário são as falas bem humoradas e inteligentes do próprio Lula Côrtes. Logo no início ele diz, em tom de chiste, que é muito dura a vida de um “pobre star” brasileiro. Isso ele fala quando estão indo na expedição à Pedra do Ingá “no pior carro do mundo, com a pista molhada e o motorista chama ‘Seu Morte’ ”. Sem dúvida, temos que concordar com ele!

Divulgação
Lula Côrtes foi um dos artistas mais “roots” (aprendi essa com meu filho) do cenário artístico musical do Brasil. Inquieto; culto; bom letrista; bom compositor e dono de um timbre de voz muito bonito, mas incapaz, assim me parece, de produzir sua própria carreira, como fizeram Alceu, Zé Ramalho e outros. Lula permaneceu até o final de sua vida como um marginal na MPB. No início da década de 1980 até que houve uma tentativa de colocá-lo em outro plano. Ele gravou pela gravadora Ariola, um álbum muito bem gravado, com encarte bonito e bom som, chamado “o gosto novo da vida”. O disco seria para colocá-lo num plano nacional, com shows de divulgação no Brasil inteiro. Era um disco que sem dúvida cairia no gosto do público, pelo menos de um público que curtia MPB, etc., mas o disco, apesar de muito bonito, não aconteceu. E não foi por causa de enchentes ou qualquer ocorrência fortuita, mas talvez por uma incapacidade de Lula em administrar a própria carreira. Uma pena para os amantes dessa senhora chamada MPB, pois muitos se tornariam, como eu me tornei, fã desse artista pernambucano.

Em muitos momentos da projeção eu ficava pensando na necessidade de se fazer conhecer aquela cena musical que se desenvolvia em Pernambuco da década de 1970. Era sem dúvida uma ocorrência antropofágica, na qual os jovens músicos assimilavam o rock e o fundia com as manifestações culturais locais. Era uma re-leitura do rock na qual lisergia e contestação se associavam ao canto árido dos caminhos do sertão. Mas tudo isso feito por jovens urbanos cheios de referências culturais da chamada “alta-cultura” ocidental e elementos da cultura oriental (Lula trouxe do Marrocos uma cítara popular batizado por ele de tricórdio). Este foi um momento de uma florescência musical na qual muitos artistas despontaram e criaram coisas belíssimas. Ali estavam Flaviola, o grupo Ave Sangria, Marconi Notaro e outros tantos músicos como Zé da Flauta, Robertinho do Recife e Paulo Rafael. Esta cena precisa ser revisitada!

Registre-se ainda que tudo isso acontecia em paralelo com o conhecido movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna. Como eram tempos bastante radicalizados esses dois grupos, por motivos estético-existenciais, não se misturavam. Depois tudo mudou, pois Antônio Nóbrega, filho dileto do movimento Armorial cantava junto no carnaval com Chico Science, filho dileto da cena rock-underground recifense.

No final da película dei de cara com Lenine, que olhava absorto para a tela no momento em que rolavam os créditos. Seu olhar parecia focado em algum ponto do passado, em que uma geração de artistas pernambucanos, como ele, mostrou uma força e uma qualidade criativas dignas de serem conhecidas pelo Brasil e pelo mundo. Viva a multifacetada cultura musical brasileira!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Pré-estreia em Porto Alegre

A produção da Kino Beat fez um vídeo com trechos do filme e imagens da pré-estreia do doc Nas Paredes da Pedra Encantada em Porto Alegre, em sessão comentada com o diretor Leonardo Bomfim no dia 19 de maio. Confira.

domingo, 5 de junho de 2011

Can I be Satwa?

Cristiano Bastos, diretor do documentário, produziu uma série de entrevistas com os personagens do udigrudi na época das filmagens de Nas Paredes da Pedra Encantada. Publicaremos aqui periodicamente matérias com os grandes nomes da cena musical nordestina. Começamos com Lailson de Holanda.
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CAN I BE SATWA?
por Cristiano Bastos

Divulgação/Lailson de Holanda

Dentro e fora do país, o pernambucano Lailson de Holanda Cavalcanti é prestigiado por sua obra como ilustrador. No mundo, o reconhecimento vem tanto do seu traço quanto de sua música. É de sua autoria a série clássica de HQ Pindorama, onde reconta a história do Brasil, desde a chegada dos portugueses até as eras Fernando Henrique & Lula.

Aos 17 anos, morando nos Estados Unidos, Lailson começou a publicar suas charges no jornal The Pine Cone (Arkansas, EUA), pelas quais recebeu o Award for Best Original Artwork, atribuído pela Arkansas High School Press Association. A música veio no final dos anos 60, quando, de volta ao país passou a dividir sua arte com o rock e o folk. Formou a banda Phetus - um dos grupos seminais do rock pernambucano dos anos 70 - com o guitarrista Paulo Rafael e Zé da Flauta. 

Em 1973, gravou com Lula Côrtes o LP instrumental Satwa, considerado o primeiro álbum independente editado no Brasil – hoje relançado pela Time-Lag Records (prensagem esgotada). Gravado nos estúdios da lendária Rozemblit, Satwa foi o primeiro lançamento do selo Abrakadabra, montado pelo multi-artista Lula Côrtes e pela designer, hoje cineasta, Katia Mesel. 

Lailson também deixou a marca de seu violão nordestino de 12 cordas tocando ao lado da troupe que tocou em Paêbirú. Gravado em 1973, Satwa traz a dupla Lailson/Côrtes tomada por uma lisergia pós-flower power, capaz de assustar incautos ouvintes em pleno 2008. Músicas como "Alegro Piradissimo", "Valsa dos Cogumelos" ou "Blue do Cachorro Muito Louco" não deixam dúvidas sobre o conteúdo do vinil – 'tosco', mas com ótimo som. Robertinho de Recife também faz uma ponta no disco, tocando 'lead guitar' na lentidão viajandona de "Blue do Cachorro Muito Louco".

O som predominante do disco, no entanto, é um folk nordestino/oriental, resultado da mistura da cítara popular tocada por Lula (trazida do Marrocos), o tricórdio, e da viola de 12 cordas de Lailson. Fruto da cena nordestina pós-tropicalismo, como traz a ficha técnica, Satwa foi "curtido" nos Estúdios da Rozemblit, em Recife, entre os dias 20 e 31 de janeiro de 1973. Com tiragem limitada e distribuição basicamente regional, o disco desapareceu tão logo surgiu, permanecendo lenda para o restante do país. A Time-Lag o relançou com o nome de Satwa World Edition

Como foi produzir Satwa em 1973, em Recife? Imagino as dificuldades enfrentadas.
Lailson: Foi um desafio, uma diversão e uma grande viagem. Em agosto de 1971 eu tinha retornado de um ano (1970/71) como bolsista internacional nos Estados Unidos, onde morei bastante tempo em Arkansas e depois em Nova York. Antes de viajar eu já tinha banda de garagem com Paulo Rafael (que hoje toca com Alceu Valença e que tocou comigo e Zé da Flauta na banda Phetus) e, ao voltar para o Recife, encontrei a cidade bastante agitada.Em novembro de 72, o DA de Medicina resolveu organizar o nosso "Woodstock" local, que foi a Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém, dois dias de "rock do pôr ao nascer do sol" e me chamaram para ser o coordenador da parte musical do evento, já que eu transitava pelas mais diversas bandas da cidade. Foi aí que conheci Lula Côrtes e iniciamos uma grande amizade, pois tínhamos muita coisa em comum (desenho, pintura, poesia, música, psicodelismo). Passado o festival, passamos a nos encontrar regularmente na casa dele e começamos a criar uma música diferente, eu com uma viola de 12 cordas e Lula com o tricórdio que havia trazido do Marrocos. Minhas influências eram o rock e o blues. Lula, pela própria escala do instrumento oriental, criava melodias que se assemelhavam a ragas indianas. Ambos temos um "sotaque" nordestino que transparece nas músicas que compusemos naquela época. Começamos a gravar domesticamente o que estávamos fazendo, as pessoas passaram a aparecer por lá para ver o que estava rolando e daí, para decidirmos gravar um LP, foi um pulo. Eu estava juntando uma grana para viajar, mas resolvi investir no projeto. Então, Satwa é o resultado de tudo isso, de todo esse momento, e da época. 

Satwa é considerada a primeira produção independente do rock brasileiro. Hoje, isso te espanta?
Lailson: Como falei: gravar um disco era uma coisa tão natural que nem pensamos que esse não era o caminho normal. A Rozemblit, apesar de antiga, era acessível (foi a primeira gravadora brasileira a lançar, numa coletânea, uma música do Ray Charles) e estava meio que às moscas. Lá a gente dispunha de tudo o que era necessário: estúdio, prensagem e gráfica. Alugamos o estúdio de 20 a 31 de janeiro de 73 e gravávamos de noite, de tarde, na hora que desse, varando as madrugadas. Foram horas de gravação, fazendo variações dos temas que estávamos compondo, dos quais selecionamos as versões que consideramos as melhores. O estúdio tinha limitações técnicas que foram muito divertidas de contornar, como por exemplo, o fato de que se eu fosse fazer um overdub tinha que ficar tocando colado com a cabine de som, senão, dava um delay! A capa também foi um processo conjunto: o design é de Kátia Mesel, a fotografia da capa é uma experiência de Lula, as outras fotografias são de Paulo Klein e tem dois desenhos meus na contracapa. Por certo que sabíamos que estávamos fazendo algo novo, mas não imaginávamos que éramos pioneiros na produção do rock independente. Isso eu só vim saber quase 20 anos depois, através de pesquisadores.

Quanto ao som: o que você e Lula Côrtes pensaram, na hora de fazê-lo. O que ouviam para criar Satwa?
Lailson: Satwa é uma palavra em Sânscrito que pode ser traduzida como sendo a interface, o equilíbrio, a harmonia, entre o corpo material e o corpo espiritual. Esse é o conceito fundamental do disco: um equilíbrio entre duas coisas diferentes que se harmonizam. O cérebro humano tem dois hemisférios, assim como o planeta Terra, e ambos se equilibram, mesmo através de conflitos. A música do hemisfério ocidental, seja o blues ou o repente de viola têm em si os elementos da cultura oriental. Recife é, ao mesmo tempo, um pequeno ponto na beira do Atlântico e uma cidade cosmopolita em contato com o resto do mundo. A música produzida aqui é música produzida no planeta Terra. Satwa, musicalmente, transmite todos esses encontros.O disco apresenta essa dualidade harmônica em todos os seus aspectos, como pode ser visto nas cores da capa: cian e magenta, duas cores absolutas. Não há preto, não há amarelo.Mas, sobre o branco, as duas cores absolutas se harmonizam e criam a identidade visual específica do disco. As músicas têm e não têm letras. Os títulos dizem tudo o que se precisa saber sobre elas: "Amigo", "Atom", "Apacidonata", "Valsa dos Cogumelos", "Blues do Cachorro Muito Louco", "Can I Be Satwa?", "Alegria do Povo", "Alegro Piradíssimo", "Lia A Rainha da Noite" - são títulos e são versos, são letras. Mas se as músicas tivessem letras no sentido comum, elas teriam que ser submetidas à "censura prévia" da Polícia Federal da época, o que não faria nenhum sentido para o que estávamos criando. Então, o que precisava estar escrito para dizer o que é Satwa, está escrito na contracapa. Além do texto (contando a saga do disco musical voador que ficou preso no limbo e foi resgatado pelo Capitão Nemo da Patrulha do Salto do Tempo) que escrevi para a Time-Lag Records, que relançou o LP em 2004, acrescentei uma tradução dos títulos para que os leitores de língua inglesa pudessem também compreender esta parte da obra. Quanto ao som que ouvíamos, variava muito. Eu era fã do Cream, Traffic, Jimi Hendrix, Jethro Tull, Pink Floyd, Emerson, Lake and Palmer, King Crimson e Mothers of Invention. E Beatles e Rolling Stones, claro. Mas, para criar Satwa, ouvimos mesmo foi a "música das esferas".

Como sua arte se intersecciona com tudo isso?
Lailson: No disco ela só aparece nos dois desenhos da contracapa e no selo. Naquela época (eu era praticamente um garoto), meus desenhos circulavam apenas entre os amigos e apareciam nos cartazes que eu fazia para a minha banda Phetus (surgida após Satwa) e para as bandas dos amigos, como o Ave Sangria e o Batalha Cerrada. Era uma arte psicodélica, com elementos de fantasia e do fantástico. A partir de 1975 é que passei a publicar na imprensa e meu desenho de humor político tornou-se mais conhecido. Hoje, com os quadrinhos e a ilustração, muito do meu estilo daquela época está retornando.


*Lailson de Holanda, um dos personagens do doc Nas Paredes da Pedra Encantada. Ouça algumas canções do álbum aqui no andar de baixo, ó:


Fonte: http://zuboski.blogspot.com/2008/09/can-i-be-satwa.html

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Exibição em Caxias do Sul

Nesse domingo, 5 de junho, o doc Nas Paredes da Pedra Encantada chega em Caxias do Sul! A exibição na cidade natal do diretor Cristiano Bastos será às 15h no Centro de Cultura Ordovás. A cópia será a mesma exibida pela 2ª Mostra Kino Beat Cinema + Música. em Porto Alegre, com o filme ainda em processo de finalização.

Exibição em Caxias do Sul - Nas Paredes da Pedra Encantada

Domingo, 05/06 às 15h
Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho
Rua Luiz Antunes, 312 - Bairro Panazzolo
Entrada franca

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Rolé na Paraíba

Descrito como um road movie, Nas Paredes da Pedra Encantada revela as histórias por trás de Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol, álbum lançado em 1975 por Lula Côrtes e Zé Ramalho. A bordo de uma Kombi, os diretores Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim viajaram pelo interior da Paraíba com Lula Côrtes, artista pernambucano que uniu ritmos regionais e rock, e morreu em março, aos 61 anos.  O filme será exibido sábado, às 19h.

Confira aqui matéria de Salvatore Carrozzo publicada no Correio24h nessa quinta-feira sobre a ida do festival In-Edit 2011 para Salvador.